um dia
21:47Perdoo o mar. Deixo que se justifique por que demora tanto tempo a ir e a voltar. Digo-lhe que me faz falta. Principalmente quando cai o dia e o sol com uma ligeireza se derrete sobre a terra, lá ao de longe na linha do horizonte. Sento-me à sua beira e conto-lhe o que perdeu, os sonhos que realizei, as lágrimas que libertei e as conquistas que alcancei. Volto a pegar nos seus búzios e ouvir os cânticos das sete ondas, brinco na areia, concebo castelos e devolvo as estrelas ao seu mar.
Quando o perdoar, esqueço-me. Dos seus momentos de fúria, de invasão, de monstruosidade. Mas compreendo a sua dor, a sua frustração de ver o homem por ali a entrar e a levar os segredos que mergulham na sua densa água, profunda, azul a quilómetros de onde alguma vez poderemos estar. A roubar pedaços de valor, de pérolas, rochas encriptadas que convergem ao nascer do mundo. Que tiram sem piedade os habitantes de escamas que ondulam o seu corpo ao passar nesse mar com sal. Que tentam desenhar curvas afinadas nas suas ondas, que sempre que vão, vêm. Vezes sem conta.
(a todas as vítimas do tsunami na Tailândia em 2004 e no Japão em 2011).