Culpa da vida passada ou do karma. Tenho para mim que atraio quem não devo, inconscientemente. Quem me conhece sabe que não invento estes factos. Terça passada, regressava eu do Porto no dito Alfa Pendular, sozinha à janela quando um velho na casa dos setenta ou oitenta (nunca tive talento para adivinhar idades) tomba no lugar ao meu lado. Digo tomba para não entrar a abrir e dizer, atira-se para o lugar vago ao meu lado. Portanto, tomba.
Eu, moça educada que sou, respondo cordialmente à conversa que o avozinho introduz. Ao contrário do que é normal, realmente não me apetecia conversar, isto porque o balançar do Alfa enjoa. Depois do balbuciar de ocasião, tanto pelo estado do tempo ou orçamento de estado, cai a ficha do senhor e revela-se um tipo com tesão verbal (porque presumo que fisicamente lhe tenha sido declarada morte certa) e me diz coisas como "seria capaz de casar com um preto? e com um chinês? - só para aquecer e acrescenta mais adiante - levantei-lhe as saias e estava dentro dela!"
Não pedi companhia. Não tinha roupas sugestivas nem muito menos uma conversa que o levasse a insistir na  temática "sexo" durante o resto da viagem, ao que eu me esquivei constantemente com classe: é que sou surda do ouvido esquerdo. Eu e as minhas estranhas ligações com a perversão sexual dos outros. Francamente, se o senhor fosse mais novo teria tido medo. Deste verme, só tive sensações a roçar a repugnância e o atrevimento. Para a próxima faço como uma jovem advogada me alertou, "antes da operação era Jorge, ficaram só algumas marcas da cirurgia."