Dás-me boleia?

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Tudo começa sempre por qualquer razão. Há sempre um motivo, uma vontade, um desejo no meio de um objectivo. Eu queria apenas uma boleia, só não sabia que há uma certa avaliação para se fazer antes de se entrar no carro.
Lá estava eu de dedão espetado no ar e abrandaste. O teu carro era simples, preto, confortável. Não era muito ostentativo, mas tentavas-lhe dar esse ar com a tua presença dentro dele, com o teu estilo de pessoa ainda a caminho de ser alguém. Gostavas de passear nele. Tinhas uma condução prudente e assim és nas relações com as pessoas.
Depois vieste tu, rufia. Ipod ligado ao radio para dares música às meninas. Tinhas uma condução rápida, incisiva e não te enganavas nos caminhos. Sabias para onde ias. O teu carro era a tua cara, jovem e robusto.
Houve ainda boleia de um carro topo de gama. Tudo condizia, desde a tua postura a conduzir como a maneira de nos tratar como princesas. Abriste-me a porta para entrar e andavas devagar, para poderes desfrutar o teu tempo comigo e ver em simultâneo a paisagem, para nos enquadrar numa cena de filme dos anos 50.
Tenho memória ainda de uma boleia podre. O carro era podre, estava sempre com lixo e sujo, não tinha música. Tinhas uma condução perdida e despreocupada. Assim eras tu, tal e qual, podre, que combinava na perfeição com aquele chaço.
Tive também boleia à pendura naquela motoreta. Era divertida, fazia-me lacrimejar consoante o aumento de velocidade e foi assim a nossa maneira de estar um com o outro, quanto mais velocidade mais eu punha as glândulas lacrimais em funcionamento e tu distraído, sem pensares na minha presença, aceleravas.
E a boleia do gigolo? Simplesmente genial naquele carro desportivo e viril, como se fosse a tua maior posse. Achavas que por conduzires aquela máquina que poderias dominar e agradar o mundo das mulheres. Estavas tão errado que acabaste com o pneu furado sem conseguires mudar sozinho. Tiveste que pedir apoio ao seguro.
Quanto a ti, nesse carro grande e familiar, recheado de tralha para a criançada. Tinhas espaço para mim no lugar do morto, mas nem sempre. Havia dias em que outras pessoas tinham-no de ocupar porque o teu carro contava já com largos quilómetros percorridos noutros tempos, dos quais eu não tinha feito parte.
Deixei-me de boleias. Agora sou eu que levo carro e arranco a 500. Quem quiser acompanhar o ritmo, sou stressada e tenho sempre um obstáculo para contornar sejam crianças a atravessar a estrada, buracos, sinais vermelhos... Sigo sempre, passo por cima, desvio-me e faço disto pura diversão. Arranca...

Sushi do Dia

A nossa visão só se torna clara quando conseguimos olhar para dentro de nós. Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta.
Carl Jung

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