Os pés frios não me pertencem

20:45

Eu tinha um aquecedor de pés.
Tinha-o desde sempre.
Queixava-me com frequência da má circulação desenhada nas minhas pernas, nas esféricas formas roxas. De costume, fazia a mezinha da avó. Punha os meus pés em água fria, seguidos de uma massagem. O suficiente para os aquecer. Perdi, com o tempo, a vontade e a noção dessa resolução. No fundo, sentia que havia uma maneira mais absorvente e intensa de os deixar unidos com o resto do corpo.
Facilmente a minha ilação se converteu em verdade. Arrumei a mezinha na gaveta e passei a enroscar-me, entre penas de ganso e almofadas, no corpo quente ao meu lado. Tudo me fascinava. Tudo me perturbava. Esta inconstante querela em mim, fazia-me querer ficar para sempre com o meu aquecedor de pés.
Com a utilização, o aquecedor foi perdendo a sua temperatura. Ao poucos, embora que de início se aquecessem, os dedos dos pés começavam a ganhar como que lascas de gelo, esse tal frio gélido. E, inevitavelmente, de volta, os pés deixavam de me pertencer.
Percebo hoje que os aquecedores de pés avariam com frequência. Também sei que se substituem, são fáceis de encontrar. Só tenho de descobrir um modelo que mantenha a temperatura constante, nem muito quente, nem muito fria, assim-assim, que se adapte perfeitamente à minha necessidade de ter os pés quentinhos. Ainda para mais nos domingos de chuva, de vento e frio.
Esta coisa da efemeridade.
Não é para mim.

Sushi do Dia

A nossa visão só se torna clara quando conseguimos olhar para dentro de nós. Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta.
Carl Jung

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