Percepção sensorial reinterpretada

15:53

Deviam ser dez. Agora à distância faz-se a leve analogia aos groupies dos anos 70, daquele frenesim constante para fazer parte das batidas da bateria. Cada qual trouxe o seu presente. Ela citou Liberdade de Sophia de Mello Breyner. Às tantas, surge um envelope, pacote, embrulho. Qualquer coisa. Eles abriram e contam dez pequenas pastilhas brancas.

Depois do dramatismo da semana, morte de uns, enterro de outros, revivalismo de relações disfuncionais, hiperbolização de amizades, confrontos soviéticos à conta bancária, o luxo de uma percepção sensorial reinterpretada aparentava ser a solução imediata para o esquecimento. Mergulhar nesse bem-estar, pico de euforias agregadas, soava bem melhor do qualquer visão realista da vida de cada um. A sede aumentava, os braços foram lançados ao alto enquanto uns se atiravam para a piscina e outros dançavam pedindo chuva.
Ela subiu. Lá dentro e pela colina fora. No fim, bem em cima, inclinou-se. Em ponta dos pés, aos pés do mundo. Tão convidativo... A brisa passou pelos seus cabelos, soprou em jeito de empurrão. Fechou os olhos e sentiu a felicidade ilusória. Quando quis, teve, a sensação de se deixar cair, recuou. Assim que se lançou de volta à sua realidade, a memória mnémica recordou de olhos bem abertos, aquilo que a completava.
Por mais breve que fosse, precisou dessa felicidade induzia. Corre-lhe o corpo, realizou-a. Sem pensar nas consequências da substância ilícita. 
Agora, depois do recuo, descobriu. A que sente não é instantânea. É para ficar, construída aos poucos. Como boa cientista ela sabe, no entanto, que para criar há que destruir.  
Eles, lá em baixo, dançavam. A chuva caiu, lavou o espírito. Deram o resto dos presentes. E ali, em conjunto, livres de neurotóxicos, sem qualquer aproximação ao surrealismo, comoveram-se com a união que celebravam. Fosse ela qual fosse, era apenas uma realidade reinterpretada.

Sushi do Dia

A nossa visão só se torna clara quando conseguimos olhar para dentro de nós. Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta.
Carl Jung

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