Adoça-me, Pêradoce

15:08

Pêradoce encantava-se facilmente por tudo e mais alguma coisa, mais extras ainda. Sabia-lhe bem aquele sumo de frescura, aquela sensação de novidade, aromas da vida. Contudo, o seu feitio era pêra doce.
Certo dia, pegou nas trouxas e fez-se à estrada. Entre paragens e andamentos perdeu por diversas vezes a compostura. Ora pelo autocarro atrasado, pelo carro que gentilmente lhe passava por cima das poças enquanto esperava solene para atravessar a estrada, ora pelas pessoas que ia conhecendo e perdendo o interesse... Tudo lhe parecia motivo para uma guerrilha faixa de Gaza interna sem nunca conseguir argumentar o suficiente para vencer as pequenas adversidades. Algo lhe escapava. Algo que a fizesse acalmar o tendão de Aquiles que palpitava mais do que a máquina dos batimentos cardíacos.
E foi aqui que Tenhorazãoporquetenho entrou em cena e a pés juntos. Pêradoce estava sossegada na sua fila do mercado da fruta para pagar as suas pêras ainda novas, quando alguém a derrubou sem pedir licença. Mal o sucedido, Pêradoce ficou em polvorosa. Pegou nos nervos e lançou-os a jacto sobre o jovem espadaúdo estendido igualmente no chão.
Eis que no meio de imperceptíveis palavreados, o silêncio se apoderou da pequena. As pêras esmagadas e estonteadas no chão compunham o cenário dos sonos emitidos por Tenhorazãoporquetenho. Sem reacção, deixou-se arrebatar. Face aqueles ditongos abertos e fechados, orais e nasais, crescentes e decrescentes quis morrer ali para não perder jamais o momento. O momento em que reconhece o amor à primeira vista, exalando a sua cegueira provocada por uma pessoa assim... Pêra doce.

Sushi do Dia

A nossa visão só se torna clara quando conseguimos olhar para dentro de nós. Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta.
Carl Jung

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