Alpendre de letras
00:33Sentava-me no alpendre, à noitinha, pensava em ti e escrevia-te cartas de amor. Daquelas à antiga. Fazia questão de te as enviar pelo correio com o selo colado no canto. Escolhia sempre o selo que iria levar a carta até ti. Ali escrevia-te poemas e longas prosas. Contava-te aquilo que ia na minha alma durante a tua ausência, por mais que fossem as poucas horas do dia que nos separavam, sentia importante não deixar de dizer. Por diversas palavras, dispersas. Cá dentro, palpitava uma sensação de exaltação interminável por o fazer.Tornava-me parte de uma história nunca antes desenhada. Criada nos momentos a dois. Meus e teus. Vistos na sob minha intuição.
Escrevi-te durante dois anos, todos os dias. Naquelas cartas, repletas de sentimentos e saudosismos, pus além de muita imaginação, a vaidade de sentir tanto por ti. Tudo o que podia e mais um bocadinho. A vida voltas dá, e tantas voltas deu, que hoje sentei-me na sala de leitura para te escrever. Foi a tua surpresa, no meu dia de aniversário, em que me revelaste entender a importância de eu precisar de um canto de evasão. Entre os livros e o banco de inverno de jardim, criaste o meu cenário idílico para viajar entre outras palavras. Que não as minhas para ti.
A razão pelo que hoje te escrevo a partir daqui e não no alpendre onde a brisa fazia esvoaçar o vocabulário descomposto, é que finalmente descobri porque nunca me respondeste. Tenho na minha mão todas as cartas que te enviei, ainda fechadas. Ordenaste-as por data de chegada pois apontei sempre antes do teu nome, o dia do envio. Sabia que ias dar importância ao dia. Ao contrário de mim, não esqueces datas. Aqui estão nas minhas mãos. As cartas e o meu coração. E este, tombado, vencido e derrotado. Tanto amor só podia acabar em dor. Ardor.
Não te sei reagir de outra forma que não esta. Através de uma última carta. Ainda que não a leias solto pelo menos a minha desastrosa rendição de te desejar, ainda assim, para sempre, a minha conclusão.
Boa noite. Dorme bem.