redenção do peso

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Não me pesou a consciência pela confessa piada, pesou-me antes por ter de me assombrar com a data. Lógico que seria motivo de felicitações pelo aniversário do meu pai, mas há sempre uma traição rasgada por estrada fora. Estas pedras empilhadas, umas por cima das outras, dólmen intemporal. Jazigos implantados na mente de cada qual. Ninguém passa imune à perda, à inexplicável perda, âncoras, pedras pesadas, peso, peso, peso tanto peso dentro e carregamos, arrastamos e não sabemos onde como e quando o largar.
E porquê esta sensação de fardo? Raios este peso. Quero-me livrar dele. Livraram-se de nós. Partem pássaros livres, aves, incontáveis aves, voam, independentes, livres, sem rumo, sem porquê. Ficamos, com este egoísmo, esta inveja, este peso. Tudo isto que se carrega e não se percebe porquê, porque custa tanto. Impiedosa condição da vida. Sinto à tona da pele, não, não aí, demasiado leve, de raspão, um sopro, o último sopro... É antes sugado pelas entranhas e pesa, porque não me livro das memórias, das histórias, da saudade. Ah, a saudade. Essa filha da mãe que quer tomar a vida, a nossa vida, a minha vida por inteiro, diz que lhe pertence, quer ter mais do que merece. E pesa-me. Fico baixa, esmagada, espalmada contra a inutilidade dos sentimentos. Porque pesam. Não na consciência. Em toda a minha existência.
Porque quando se perde, aqui perto, bem perto, ao nosso lado... Tem outro peso. O dos outros eu não o carrego, mas a Morte, ela passeia-se entre nós, vaidosa, sedenta de exercer o poder que só ela tem. Um só gesto, uma só acção e porca, deixa-me pesada. Só. Saudosa. Minha dor. Meu peso. Vosso nunca. Meu peso. Meu peso. Meu, só meu.
Meu.

Sushi do Dia

A nossa visão só se torna clara quando conseguimos olhar para dentro de nós. Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta.
Carl Jung

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