Ausência de ti

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Lembro-me da primeira vez que lidei com a morte. Tinha oito anos. Fui ao funeral do meu tio avô. Achei aquilo tudo muito estranho: o cheiro das flores, a cor amarelada do velho decrépito, as lágrimas dos saudosos que pensavam ser os próximos na lista, a roupa escura, muito escura e muito sombria. Lembro-me que me aproximei do caixão para o ver uma última vez e de ter ficado com a estranha sensação que estava na casa dos horrores da Feira Popular e o meu tio era, de facto, uma daquelas personagens bem caracterizadas ou então simplesmente um boneco de cera.
Não chorei. Não tive pena. Nem senti nada.
E durante alguns anos esta imagem era de certo modo agradável e cómica, uma vez que não associava muito bem a ideia de "nunca mais te vou ver". Mas todos sabemos que a vida é espertinha muito mais do que às vezes valorizamos e tive que aprender a lidar com a ausência de uma forma rude. Com isto, viajo até à entrevista do Dr. Lobo Antunes que por causa de uma doença como o cancro comoveu-se, não pela doença mas por ter que enfrentar a dor e o sofrimento de uma criança. E a sua consequente ausência. Vivi a mesma experiência e eu era igualmente uma criança. Percebi o que era ficar sem ver, sem ouvir, sem cheirar e perdi completamente a visão suportável de uma pessoa de idade jazida. Assim, deparei-me com o panorama real da morte.
É uma pedra encostada à garganta. Chega a ser físico. Dás-te por ti a falar com o vazio e no meio de o silêncio aguardas por uma resposta daquela voz afável que nunca mais volta. E o tempo passa e queima as memórias que tinhas. Quando menos pensas, já apagaste ligeiramente... Aos poucos e poucos, tudo se apaga. Apenas tens uns retrocessos momentâneos mas já nem sabes bem a sequência desses acontecimentos. Permaneces triste, porque agora sim, morreu de vez: quando te apercebes que já não te lembras mais.

Sushi do Dia

A nossa visão só se torna clara quando conseguimos olhar para dentro de nós. Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta.
Carl Jung

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