A sudoeste do forte

02:29

Ele parou o carro. Ou, pelo menos, a naturalidade com que executou o «motor ir abaixo» fez-me crer que tínhamos acabado de chegar ao destino. Não me deixou sair logo. Tudo ensaiado passo-a-passo, excepto a minha tendência de criar pequenos desastres, espetei-lhe um estalo conforme puxei o cinto, nem tinha reparado no seu ar de cavalheiro a querer-me abrir a porta. Para variar, riu-se. Ainda bem que, no que diz respeito à composição da personalidade, ele interprete este desvio de qualidade como um acessório indispensável ao charme. Abriu-me a dita cuja porta. Eu estava ainda cheia de bolas de sal desenhadas na pele, umas até se assemelhavam a um mapa qualquer, pareceu-me ver a demarcação alpina tal como a falta de pigmentação que possuo na minha perna direita, marca honorária de nascença. Calcei as havaianas e pisei a já arrefecida areia misturada com a imponência rochosa. Sempre considerei uma brutalidade a formação rochosa daquele lugar, em específico, imaginando consequentemente o arrombo do tsunami de 1755, que quis ali vingar a sua presença. Mesmo assim, permaneceu e permanece inerte.
Pediu-me para o ajudar a retirar as cadeiras de praia, amarradas ao tejadilho do Renault 4, vermelho. Agradeço a minha distracção. Não tendo reparado na clássica toalha do xadrez, claramente que também não percebi que era um fim-de-tarde com direito a piquenique.
Estava abismada. Não pela banalidade da surpresa, mas pela frontalidade com que o Sol se fazia raiar entre a minha metade do hemisfério com a metade por acordar. O mar, frustrado, atirava-lhe com ondas. Acho... não. Tenho a certeza que ali no chamado lusco-fusco, estes dois não se entenderam. Foi cada um para o seu lado. Com o sol a ir, o calor amainou. De tal forma que chegou a vez do vento de sua dar voz. Talvez fosse Aeolus a chegar.
Sacámos, nesse momento, as polarvide do Ikea. Bem jeito que deram. Adaptando o nosso corpo à adversidade do tormento, meio que lampeira tirei a última bolacha do pacote.
- Sacana, ficas sempre com a última bolacha.
Ficámos a rir.

Sushi do Dia

A nossa visão só se torna clara quando conseguimos olhar para dentro de nós. Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta.
Carl Jung

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