Porque hoje, ao voltar para casa depois de uma entrevista, chovia e esta música tocava na rádio. Fez-me todo o sentido. Um brinde a todos douchebags, assholes e scumbags que conheço. Isto apenas, porque ninguém, nunca, se lembra deles.
Ele parou o carro. Ou, pelo menos, a naturalidade com que executou o «motor ir abaixo» fez-me crer que tínhamos acabado de chegar ao destino. Não me deixou sair logo. Tudo ensaiado passo-a-passo, excepto a minha tendência de criar pequenos desastres, espetei-lhe um estalo conforme puxei o cinto, nem tinha reparado no seu ar de cavalheiro a querer-me abrir a porta. Para variar, riu-se. Ainda bem que, no que diz respeito à composição da personalidade, ele interprete este desvio de qualidade como um acessório indispensável ao charme. Abriu-me a dita cuja porta. Eu estava ainda cheia de bolas de sal desenhadas na pele, umas até se assemelhavam a um mapa qualquer, pareceu-me ver a demarcação alpina tal como a falta de pigmentação que possuo na minha perna direita, marca honorária de nascença. Calcei as havaianas e pisei a já arrefecida areia misturada com a imponência rochosa. Sempre considerei uma brutalidade a formação rochosa daquele lugar, em específico, imaginando consequentemente o arrombo do tsunami de 1755, que quis ali vingar a sua presença. Mesmo assim, permaneceu e permanece inerte.
Pediu-me para o ajudar a retirar as cadeiras de praia, amarradas ao tejadilho do Renault 4, vermelho. Agradeço a minha distracção. Não tendo reparado na clássica toalha do xadrez, claramente que também não percebi que era um fim-de-tarde com direito a piquenique.
Estava abismada. Não pela banalidade da surpresa, mas pela frontalidade com que o Sol se fazia raiar entre a minha metade do hemisfério com a metade por acordar. O mar, frustrado, atirava-lhe com ondas. Acho... não. Tenho a certeza que ali no chamado lusco-fusco, estes dois não se entenderam. Foi cada um para o seu lado. Com o sol a ir, o calor amainou. De tal forma que chegou a vez do vento de sua dar voz. Talvez fosse Aeolus a chegar.
Sacámos, nesse momento, as polarvide do Ikea. Bem jeito que deram. Adaptando o nosso corpo à adversidade do tormento, meio que lampeira tirei a última bolacha do pacote.
- Sacana, ficas sempre com a última bolacha.
Ficámos a rir.
Pediu-me para o ajudar a retirar as cadeiras de praia, amarradas ao tejadilho do Renault 4, vermelho. Agradeço a minha distracção. Não tendo reparado na clássica toalha do xadrez, claramente que também não percebi que era um fim-de-tarde com direito a piquenique.
Estava abismada. Não pela banalidade da surpresa, mas pela frontalidade com que o Sol se fazia raiar entre a minha metade do hemisfério com a metade por acordar. O mar, frustrado, atirava-lhe com ondas. Acho... não. Tenho a certeza que ali no chamado lusco-fusco, estes dois não se entenderam. Foi cada um para o seu lado. Com o sol a ir, o calor amainou. De tal forma que chegou a vez do vento de sua dar voz. Talvez fosse Aeolus a chegar.
Sacámos, nesse momento, as polarvide do Ikea. Bem jeito que deram. Adaptando o nosso corpo à adversidade do tormento, meio que lampeira tirei a última bolacha do pacote.
- Sacana, ficas sempre com a última bolacha.
Ficámos a rir.
Certos blogues, que faço questão de ler religiosamente, são tão bons como aqueles meninos que aparecem nas noites de Dj Glue no Lux e rebobinam os seus corpos pela pista de tal forma que sou forçosamente obrigada a remeter-me a um canto. Dito isto, concluo que a minha pessoa deu à luz um pobre embrião literário.
Ninguém percebe. Estão todos demasiado encafuados na vidinha que possuem. Para lá de fronteiras em analisar e pensar sobre o que for. Está tudo com muito pouco tempo, tempo ridículo, tempo para conseguir reparar seja no que for, de que isto não é fácil, que é uma dor só minha, ninguém a sente por mim, ninguém a substitui e ninguém estende as mãos para acartar comigo o peso pesado deste cinto de campeã. E tudo carece desta compreensão de que para uns tudo segue em frente para outros é preciso ser bom piloto de rali pois temos curvas, contra-curvas, incessantes obstáculos, distantes obstáculos que conseguimos alcançar antes de lá chegar, tudo é tão a jeito, nunca para quem está no outro lado da estrada, que leva com a dor, a dor que pesa e se arrasta e desliza a gélida água pelo rosto, porque é assim a dor, fria, cortante, desconcertante, pesada, sempre demasiada pesada para alguém pequeno como eu, que vive com agulhas nas veias, substâncias químicas a percorrer o sangue, que luta e pede ajuda e ninguém, ninguém mesmo consegue entender o que é essa dor, de se definhar aos bocadinhos, devagarinho.
Ainda assim, te tenho em pensamento.
Terias 28 anos.
Ainda assim, te tenho em pensamento.
Terias 28 anos.
Subo aos céus ou fico-me pelo tormento?
Claramente que vou para o céu, sou boa alminha. Camping não largues a Bíblia que não é preciso.
Claramente que vou para o céu, sou boa alminha. Camping não largues a Bíblia que não é preciso.
(...)
Macário estava então na plenitude do amor e da alegria.
Via o fim da sua vida preenchido, completo, radioso. Estava quase sempre em casa da noiva, e um dia andava-a acompanhando, em compras, pelas lojas. Ele mesmo lhe quisera fazer um pequeno presente, nesse dia. A mãe tinha ficado numa modista, num primeiro andar da Rua do Ouro, e eles tinham descido, alegremente, rindo, a um ourives que havia em baixo, no mesmo prédio, na loja.
O dia estava de Inverno, claro, fino, frio, com um grande céu azul-ferrete, profundo, luminoso, consolador.
- Que bonito dia! - disse Macário.
E com a noiva pelo braço, caminhou um pouco, ao comprido do passeio.
- Está! - disse ela. - Mas podem reparar, nós sós...
- Deixa, está tão bom...
- Não, não.
E Luísa arrastou-o brandamente para a loja do ourives.
Estava apenas um caixeiro, trigueiro(2), de cabelo hirsuto (3).
Macário disse-lhe:
- Queria ver anéis.
- Com pedras - disse Luísa - e o mais bonito.
- Sim, com pedras - disse Macário. - Ametista, granada. Enfim, o melhor.
E, no entanto, Luísa ia examinando as montras forradas de veludo azul, onde
reluziam as grossas pulseiras cravejadas, os grilhões, os colares de camafeus (4), os anéis de armas, as finas alianças, frágeis como o amor, e toda a cintilação da pesada ourivesaria.
- Vê, Luísa - disse Macário.
O caixeiro tinha estendido, na outra extremidade do balcão, em cima do vidro da montra, um reluzente espalhado de anéis de ouro, de pedras, lavrados, esmaltados; e Luísa, tomando-os e deixando-os com as pontas dos dedos, ia-os correndo e dizendo:
- É feio. É pesado. É largo.
- Vê este - disse-lhe Macário.
Era um anel de pequenas pérolas.
- É bonito - disse ela. - É lindo!
- Deixa ver se serve - disse Macário.
E tomando-lhe a mão, meteu-lhe o anel devagarinho, docemente, no dedo, e ela ria, com os seus brancos dentinhos finos, todos esmaltados.
- É muito largo - disse Macário. - Que pena !
- Aperta-se, querendo. Deixe a medida. Tem-no pronto amanhã.
- Boa ideia - disse Macário - sim senhor. Porque é muito bonito. Não é verdade? As pérolas muito iguais, muito claras. Muito bonito! E estes brincos? - acrescentou, indo ao fim do balcão, a outra montra. - Estes brincos com uma concha?
- Dez moedas - disse o caixeiro.
E, no entanto, Luísa continuava examinando os anéis, experimentando-os em todos os dedos, revolvendo aquela delicada montra, cintilante e preciosa.
Mas, de repente, o caixeiro fez-se muito pálido, e afirmou-se em Luísa, passando vagarosamente a mão pela cara.
- Bem - disse Macário, aproximando-se - então amanhã temos o anel pronto. A que horas?
0 caixeiro não respondeu e começou a olhar fixamente para Macário.
- A que horas?
- Ao meio-dia.
- Bem, adeus - disse Macário. E iam sair. Luísa trazia um vestido de lã azul, que arrastava um pouco, dando uma ondulação melodiosa ao seu passo, e as suas mãos pequeninas estavam escondidas num regalo(5) branco.
- Perdão! - disse de repente o caixeiro.
Macário voltou-se.
- 0 senhor não pagou.
Macário olhou para ele gravemente.
- Está claro que não. Amanhã venho buscar o anel, pago amanhã.
- Perdão! - disse o caixeiro. - Mas o outro...
- Qual outro? - disse Macário com uma voz surpreendida, adiantando-se para o balcão.
- Essa senhora sabe – disse o caixeiro. - Essa senhora sabe.
Macário tirou a carteira lentamente.
- Perdão, se há uma conta antiga...
O caixeiro abriu o balcão, e com um aspecto resoluto:
- Nada, meu caro senhor, é de agora. É um anel com dois brilhantes que aquela senhora leva.
- Eu! - disse Luísa, com a voz baixa, toda escarlate.
- Que é? Que está a dizer?
E Macário, pálido, com os dentes cerrados, contraído, fitava o caixeiro colericamente.
O caixeiro disse então:
- Essa senhora tirou dali um anel. - Macário ficou imóvel encarando-o. - Um anel com dois brilhantes. Vi perfeitamente. - O caixeiro estava tão excitado, que a sua voz gaguejava, prendia-se espessamente.- Essa senhora não sei quem é. E tirou-o dali...
Macário, maquinalmente, agarrou-lhe no braço, e voltando-se para Luísa, com a palavra abafada, gotas de suor na testa, lívido:
- Luísa, dize... - Mas a voz cortou-se-lhe.
- Eu... - disse ela. Mas estava trémula, assombrada, enfiada, descomposta.
E tinha deixado cair o regalo ao chão.
Macário veio para ela, agarrou-lhe no pulso fitando-a: e o seu aspecto era tão resoluto e tão imperioso, que ela meteu a mão no bolso, bruscamente, apavorada, e mostrando o anel:
- Não me faça mal - disse, encolhendo-se toda.
- Macário ficou com os braços caídos, o ar abstracto, os beiços brancos; mas de repente, dando um puxão ao casaco, recuperando-se, disse ao caixeiro:
- Tem razão. Era distracção. Está claro! Esta senhora tinha-se esquecido. É o anel. Sim, sim, senhor, evidentemente... Tem a bondade. Toma, filha, toma. Deixa estar, este senhor embrulha-o. Quanto custa?
- Abriu a carteira e pagou.
Depois apanhou o regalo, sacudiu-o brandamente, limpou os beiços com o lenço, deu o braço a Luísa e dizendo ao caixeiro: «Desculpe, desculpe», levou-a, inerte, passiva, extinta e aterrada.
Deram alguns passos na rua. Um largo sol aclarava o génio feliz: as seges passavam, rolando ao estalido do chicote: figuras risonhas passavam, conversando: os pregões ganiam os seus gritos alegres: um cavalheiro de calção de anta fazia ladear o seu cavalo, enfeitado de rosetas; e a rua estava cheia, ruidosa, viva, feliz e coberta de sol.
- Macário ia maquinalmente, como no fundo de um sonho. Parou a uma esquina. Tinha o braço de Luísa passado no seu; e via-lhe a mão pendente, ora de cera, com as veias docemente azuladas, os dedos finos e amorosos: era a mão direita, e aquela mão era a da sua noiva! E, instintivamente, leu o cartaz que anunciava para essa noite, «Palafoz em Saragoça».
De repente, soltando o braço de Luísa, disse-lhe baixo:
- Vai-te.
- Ouve!... - disse ela, com a cabeça toda inclinada.
- Vai-te. - E com a voz abafada e terrível: - Vai-te. Olha que chamo. Mando-te para o Aljube. Vai-te.
- Mas ouve, Jesus - disse ela.
- Vai-te! - E fez um gesto, com o punho cerrado.
- Pelo amor de Deus, não me batas aqui - disse ela, sufocada.
- Vai-te, podem reparar. Não chores. Olha que vêem. Vai-te!
E chegando-se para ela disse baixo:
- És uma ladra!
E voltando-lhe as costas, afastou-se, devagar, riscando o chão com a bengala.
À distância, voltou-se: ainda viu, através dos vultos, o seu vestido azul.
Como partiu nessa tarde para a província, não soube mais daquela rapariga loura.
Macário estava então na plenitude do amor e da alegria.
Via o fim da sua vida preenchido, completo, radioso. Estava quase sempre em casa da noiva, e um dia andava-a acompanhando, em compras, pelas lojas. Ele mesmo lhe quisera fazer um pequeno presente, nesse dia. A mãe tinha ficado numa modista, num primeiro andar da Rua do Ouro, e eles tinham descido, alegremente, rindo, a um ourives que havia em baixo, no mesmo prédio, na loja.
O dia estava de Inverno, claro, fino, frio, com um grande céu azul-ferrete, profundo, luminoso, consolador.
- Que bonito dia! - disse Macário.
E com a noiva pelo braço, caminhou um pouco, ao comprido do passeio.
- Está! - disse ela. - Mas podem reparar, nós sós...
- Deixa, está tão bom...
- Não, não.
E Luísa arrastou-o brandamente para a loja do ourives.
Estava apenas um caixeiro, trigueiro(2), de cabelo hirsuto (3).
Macário disse-lhe:
- Queria ver anéis.
- Com pedras - disse Luísa - e o mais bonito.
- Sim, com pedras - disse Macário. - Ametista, granada. Enfim, o melhor.
E, no entanto, Luísa ia examinando as montras forradas de veludo azul, onde
reluziam as grossas pulseiras cravejadas, os grilhões, os colares de camafeus (4), os anéis de armas, as finas alianças, frágeis como o amor, e toda a cintilação da pesada ourivesaria.
- Vê, Luísa - disse Macário.
O caixeiro tinha estendido, na outra extremidade do balcão, em cima do vidro da montra, um reluzente espalhado de anéis de ouro, de pedras, lavrados, esmaltados; e Luísa, tomando-os e deixando-os com as pontas dos dedos, ia-os correndo e dizendo:
- É feio. É pesado. É largo.
- Vê este - disse-lhe Macário.
Era um anel de pequenas pérolas.
- É bonito - disse ela. - É lindo!
- Deixa ver se serve - disse Macário.
E tomando-lhe a mão, meteu-lhe o anel devagarinho, docemente, no dedo, e ela ria, com os seus brancos dentinhos finos, todos esmaltados.
- É muito largo - disse Macário. - Que pena !
- Aperta-se, querendo. Deixe a medida. Tem-no pronto amanhã.
- Boa ideia - disse Macário - sim senhor. Porque é muito bonito. Não é verdade? As pérolas muito iguais, muito claras. Muito bonito! E estes brincos? - acrescentou, indo ao fim do balcão, a outra montra. - Estes brincos com uma concha?
- Dez moedas - disse o caixeiro.
E, no entanto, Luísa continuava examinando os anéis, experimentando-os em todos os dedos, revolvendo aquela delicada montra, cintilante e preciosa.
Mas, de repente, o caixeiro fez-se muito pálido, e afirmou-se em Luísa, passando vagarosamente a mão pela cara.
- Bem - disse Macário, aproximando-se - então amanhã temos o anel pronto. A que horas?
0 caixeiro não respondeu e começou a olhar fixamente para Macário.
- A que horas?
- Ao meio-dia.
- Bem, adeus - disse Macário. E iam sair. Luísa trazia um vestido de lã azul, que arrastava um pouco, dando uma ondulação melodiosa ao seu passo, e as suas mãos pequeninas estavam escondidas num regalo(5) branco.
- Perdão! - disse de repente o caixeiro.
Macário voltou-se.
- 0 senhor não pagou.
Macário olhou para ele gravemente.
- Está claro que não. Amanhã venho buscar o anel, pago amanhã.
- Perdão! - disse o caixeiro. - Mas o outro...
- Qual outro? - disse Macário com uma voz surpreendida, adiantando-se para o balcão.
- Essa senhora sabe – disse o caixeiro. - Essa senhora sabe.
Macário tirou a carteira lentamente.
- Perdão, se há uma conta antiga...
O caixeiro abriu o balcão, e com um aspecto resoluto:
- Nada, meu caro senhor, é de agora. É um anel com dois brilhantes que aquela senhora leva.
- Eu! - disse Luísa, com a voz baixa, toda escarlate.
- Que é? Que está a dizer?
E Macário, pálido, com os dentes cerrados, contraído, fitava o caixeiro colericamente.
O caixeiro disse então:
- Essa senhora tirou dali um anel. - Macário ficou imóvel encarando-o. - Um anel com dois brilhantes. Vi perfeitamente. - O caixeiro estava tão excitado, que a sua voz gaguejava, prendia-se espessamente.- Essa senhora não sei quem é. E tirou-o dali...
Macário, maquinalmente, agarrou-lhe no braço, e voltando-se para Luísa, com a palavra abafada, gotas de suor na testa, lívido:
- Luísa, dize... - Mas a voz cortou-se-lhe.
- Eu... - disse ela. Mas estava trémula, assombrada, enfiada, descomposta.
E tinha deixado cair o regalo ao chão.
Macário veio para ela, agarrou-lhe no pulso fitando-a: e o seu aspecto era tão resoluto e tão imperioso, que ela meteu a mão no bolso, bruscamente, apavorada, e mostrando o anel:
- Não me faça mal - disse, encolhendo-se toda.
- Macário ficou com os braços caídos, o ar abstracto, os beiços brancos; mas de repente, dando um puxão ao casaco, recuperando-se, disse ao caixeiro:
- Tem razão. Era distracção. Está claro! Esta senhora tinha-se esquecido. É o anel. Sim, sim, senhor, evidentemente... Tem a bondade. Toma, filha, toma. Deixa estar, este senhor embrulha-o. Quanto custa?
- Abriu a carteira e pagou.
Depois apanhou o regalo, sacudiu-o brandamente, limpou os beiços com o lenço, deu o braço a Luísa e dizendo ao caixeiro: «Desculpe, desculpe», levou-a, inerte, passiva, extinta e aterrada.
Deram alguns passos na rua. Um largo sol aclarava o génio feliz: as seges passavam, rolando ao estalido do chicote: figuras risonhas passavam, conversando: os pregões ganiam os seus gritos alegres: um cavalheiro de calção de anta fazia ladear o seu cavalo, enfeitado de rosetas; e a rua estava cheia, ruidosa, viva, feliz e coberta de sol.
- Macário ia maquinalmente, como no fundo de um sonho. Parou a uma esquina. Tinha o braço de Luísa passado no seu; e via-lhe a mão pendente, ora de cera, com as veias docemente azuladas, os dedos finos e amorosos: era a mão direita, e aquela mão era a da sua noiva! E, instintivamente, leu o cartaz que anunciava para essa noite, «Palafoz em Saragoça».
De repente, soltando o braço de Luísa, disse-lhe baixo:
- Vai-te.
- Ouve!... - disse ela, com a cabeça toda inclinada.
- Vai-te. - E com a voz abafada e terrível: - Vai-te. Olha que chamo. Mando-te para o Aljube. Vai-te.
- Mas ouve, Jesus - disse ela.
- Vai-te! - E fez um gesto, com o punho cerrado.
- Pelo amor de Deus, não me batas aqui - disse ela, sufocada.
- Vai-te, podem reparar. Não chores. Olha que vêem. Vai-te!
E chegando-se para ela disse baixo:
- És uma ladra!
E voltando-lhe as costas, afastou-se, devagar, riscando o chão com a bengala.
À distância, voltou-se: ainda viu, através dos vultos, o seu vestido azul.
Como partiu nessa tarde para a província, não soube mais daquela rapariga loura.
Singularidades de Uma Rapariga Loura in Obras de Eça de Queiroz – Contos, 20.ª edição, Livros do Brasil, Lisboa, s/d - pp. 30-34.
Isto tudo para dizer que vou passar a assaltar ourivesarias, ou então, vou tentar escrever um conto com menos adjectivos.
Não me lembro de ter escrito sobre algo sério e sóbrio. Não me recordo de ter recorrido a palavras frias e incisivas para me debruçar sobre a inevitabilidade da vida. Quero manter-me leve e fresca, a vida, essa vagabunda, já faz questão de revelar o seu lado mais sombrio, aos poucos, no dia-a-dia.
Vejo romenos a regressar a casa.
Vejo os portugueses a chorar.
Vejo tempestades a embrulhar o mundo num desconforto perpétuo.
Vejo acidentes de carro, provocados pela falta de civismo.
Vejo idosos na solidão.
Vejo os sem-abrigo deixados ao frio.
Vejo animais abandonados.
Vejo lixo na rua.
Vejo desperdício.
Vejo o materialismo das pessoas.
Vejo a separação.
Vejo a queda.
Vejo muros de Berlim em redor das pessoas, inatingíveis.
Vejo lágrimas.
Vejo órfãos.
Vejo saldos e os portugueses a comprar.
Vejo contas de poupança para o amanhã.
Não vejo ninguém a viver o hoje como o último dia.
O meu avo paterno, entre outros ensinamentos, disse aos seus «mais vale ter hoje, do que gastar amanhã na farmácia». Projectamos tudo para o nosso futuro, e quando o temos, que é hoje, este momento, não o agarramos porque tomamos o tempo como algo garantido. Como se o amanhã tivesse importância. Mais do que o agora.
Vivam mais.
Preocupem-se menos.
Sejam arrojados.
Gastem o que vos apetecer.
Não façam dívidas.
Viajem.
Instruam-se.
Leiam.
Libertem-se de preconceitos.
Contem histórias.
Sejam amigos.
Procurem novos desafios.
Encarem os problemas de frente, tudo tem solução.
Aceitem o destino, mas nunca deixem de acreditar.
Tenham fé.
Vejo romenos a regressar a casa.
Vejo os portugueses a chorar.
Vejo tempestades a embrulhar o mundo num desconforto perpétuo.
Vejo acidentes de carro, provocados pela falta de civismo.
Vejo idosos na solidão.
Vejo os sem-abrigo deixados ao frio.
Vejo animais abandonados.
Vejo lixo na rua.
Vejo desperdício.
Vejo o materialismo das pessoas.
Vejo a separação.
Vejo a queda.
Vejo muros de Berlim em redor das pessoas, inatingíveis.
Vejo lágrimas.
Vejo órfãos.
Vejo saldos e os portugueses a comprar.
Vejo contas de poupança para o amanhã.
Não vejo ninguém a viver o hoje como o último dia.
O meu avo paterno, entre outros ensinamentos, disse aos seus «mais vale ter hoje, do que gastar amanhã na farmácia». Projectamos tudo para o nosso futuro, e quando o temos, que é hoje, este momento, não o agarramos porque tomamos o tempo como algo garantido. Como se o amanhã tivesse importância. Mais do que o agora.
Vivam mais.
Preocupem-se menos.
Sejam arrojados.
Gastem o que vos apetecer.
Não façam dívidas.
Viajem.
Instruam-se.
Leiam.
Libertem-se de preconceitos.
Contem histórias.
Sejam amigos.
Procurem novos desafios.
Encarem os problemas de frente, tudo tem solução.
Aceitem o destino, mas nunca deixem de acreditar.
Tenham fé.