doze segundos

23:28

Vim mal preparada, nem mochila trouxe. Disseram que estava tudo marcado para as 12:12:12 do dia 12 do mês 12 do ano 2012. Cheguei atrasada... Não de meu costume, mas é tudo demasiado intenso. Sentei-me no lugar 12, na carruagem 12. Já estava cheio, tudo apetrechado de coisas e mais coisas, tralhas e bagagens de vidas inteiras, algumas até se vertiam, escorriam pelas linhas do comboio de tão atafulhadas que estavam. Ajeitei-me como pude no meu lugar, encaixei-me assim pequenina, peça de puzzle em falta. Arrancou. Sem apito, guizo ou som estridente. Até suave foi. Pela brevidade da situação, quase que aproximei a realidade aos comboios alpinos.
Gare do Oriente. Então lá fomos todos, sem grande personalização. O silêncio foi reconfortante, vi no rosto da senhora que se cruzava com a minha alma, o receio. Quis lá entrar nesse vigoroso sentimento, atraiu-me como abismo, para tentar captar a negatividade. Experimentar antes de mais qualquer coisa, o meu avô sempre disse para não perecer estúpida, isenta de conteúdos. E os negativos, nisto, são substanciais.
À medida que o comboio avançava, a cidade desconstruía-se lentamente nas nossas costas. Peça a peça, deixava-se mergulhar em sofreguidão pelo inferno adentro. A poeira empoleirava-se, entre a qual a fortaleza do sol tentava romper, bélico. Cheguei a ver, creio eu, anjos brancos repletos de penas esvoaçantes de arco e flecha empunhados a cavalgar naquele que é o princípio dos tempos.
O grito de libertação aproximava-se.
Doze segundos.
Sentimos a vivacidade do desespero na pele, ali ainda perto do destino de partida. Apurei a audição, centrei-me nos ruídos que fugiam da nossa direcção, decifrando mensagens encriptadas das vozes de frustração. Pesava no ar, o choro inconsolável da perda, sufocante. A casa que sempre vivêramos foi-se, sem intervenção divina ou qualquer plano de salvação nacional. E cheguei eu atrasada para isto.
Nem mochila trouxe.

Sushi do Dia

A nossa visão só se torna clara quando conseguimos olhar para dentro de nós. Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta.
Carl Jung

Recebe uma carta