O tempo que não passa é aquele que estilhaça fragmentos da vida, um pouco por toda a casa, aqui e ali, desarrumando. Na prática, instala o caos. Acumulas o tempo que voa, aquele que não agarras, esse mesmo que te foge pelas mãos, o que não volta atrás, o que está para vir, empilhados, uns por cima dos outros sem nenhuma lógica espácio-temporal já descoberta. Dás por ti, a pegar em cada pedaço de tempo e a tentar organizar a agenda. Este já foi, este está por vir e o pior, é o que chega sem ser chamado. Onde é que esse entra? Dão-lhe de nome quando menos esperas, pimbas, tens direito a um tempo extra, a uma vivência inédita. Para sortir efeito, temos de nos contentar com o que temos. Há quem diga que é só para alguns. Eu cá me fico com a sensação de ser especial com direito de antena ao meu tempo, o tempo de não chegar a lado algum, o tempo de ter todo o tempo e de não ter tempo nenhum.
Há factos inexplicáveis na nossa vida, como ter oito anos e ser determinada na escrita. Bem como a fantasiosa ideia de ter um objecto de culto numa madeira pendurada ao recanto da janela, cujo som ecoa pela casa à medida que avançamos nas palavras. Um culto que ambicionava desde sempre, para me inspirar na escrita, voltar à essência do papel, do reescrever sem apagar, na perfeita dactilografia de bater com veemência nas teclas datadas de 1960, de registo de propriedade da Sra. Maria da Glória. Descobrir esta preciosidade, que me alimenta a criatividade e a vontade de saber escrever, faz-me investigar o desaparecimento dos mecânicos, dos fabricantes, das peças, fitas e entendedores da matéria. Acima de tudo, das maravilhosas máquinas de escrever.
Royal, Royalite 1960 |